sábado, 23 de abril de 2011


O Arteterapeuta: facilitando os caminhos expressivos da alma

 Por  Carla Maciel

Dia 22 de abril, agora também Dia do Arteterapeuta.

Após longo período de inconsciência, resistência e rigidez do modelo patriarcal
vigente, é chegada a hora de reverenciarmos e comemorarmos o poder e a autenticidade do trabalho terapêutico com a arte.
Na sociedade contemporânea ocidental, com seus desequilíbrios e valores invertidos, somos constantemente instigados a trocar a possibilidade do novo pelo conforto e segurança do conhecido. Embotamos nossos impulsos primitivos, inibimos a fluidez entre opostos, engessamos o corpo, abandonamos o nosso rico repertório de potencialidade em prol de uma existência “normótica” e socialmente aceitável e calamos assim, disfarçadamente, a voz da nossa alma. Quanto mais rígidos e inflexíveis, maior (e menos negociável) é a dissociação interna. Os sintomas físicos e emocionais,
expressões diretas de desordem e conflito, se multiplicam como genuínos apelos à
autoregulação da psique. A rota em direção à saúde psíquica, que pressupõe a integração e completude, no sentido de tornar-se inteiro ou indiviso, nos leva à necessidade, mais que urgente, de encontrar formas e espaços de expressão da subjetividade.
Os conteúdos psíquicos se expressam de forma imagética e a arte apresenta-se
como uma das vias mais ricas e prazerosas de se acessar esse universo simbólico. Logo, encontramos na Arteterapia um caminho para que seja possível materializar essas
imagens internas, que quando passíveis de confronto, elaboração e integração, nos
movimentam para uma vida mais autêntica, plena e harmônica.
Cabe ao arteterapeuta o papel de testemunhar e acompanhar a jornada heróica
em busca da realização do si-mesmo (Self), incentivando e facilitando no cliente o
resgate do tesouro perdido nas instâncias sombrias da psique: seu potencial criativo.
Criando formas e corporificando símbolos, o indivíduo se recria, reconstruindo a sua
autoestima e autonomia, tornando-se agente transformador da sua realidade interna e
externa. O arteterapeuta é o catalisador e mediador desse processo, aquele que germina
o desenvolvimento de potencialidades latentes e testemunha o florescer de novas
condutas e padrões de funcionamento. Ao facilitar os caminhos expressivos, o
arteterapeuta possibilita reverter vivências dolorosas, e muitas vezes traumatizantes, em
experiências psiquicamente suportáveis e unificadoras.
Ser arteterapeuta é estar disposto a “ouvir” o que simbolicamente é produzido no
encontro, abandonando seus julgamentos e enxergando o belo na originalidade e
singularidade de cada expressão. É necessário, para tanto, atentar-se para a qualidade da presença no setting terapêutico, que exige sobretudo o distanciamento de todo
conhecimento teórico adquirido, assim como desprender-se dos limites e controles do
ego e confiar na intuição, abrindo espaço para o criativo e deixando que a alma assuma
a cena, com a certeza de que ambas as partes sairão transformadas, pois, apoiados na
idéia da sincronicidade, sabemos que ninguém chega por acaso ao nosso encontro.
Para que equívocos sejam evitados nessa profissão, faz-se necessário desvencilhar-se da armadilha da inflação do ego, que, nesse estágio, acredita que ocupa o lugar do saber sobre o outro, nutrindo a ilusão de que tem o poder e o controle sobre a vida do seu paciente. Outro grande risco recai sobre as interpretações baseadas unicamente em códigos pré-estabelecidos de significados, que negligenciam a particularidade de cada sujeito como caminho essencial para uma leitura legítima e menos passível de erro.
Buscar o autoconhecimento através de um processo terapêutico, ou seja, estar em dia com as suas próprias imagens internas é requisito fundamental para o arteterapeuta. O mito de Quíron, personagem da mitologia grega que sofria de uma ferida incurável e que encontra no seu sofrimento a ressonância capaz de fazê-lo se sensibilizar com o sofrimento alheio, desenvolvendo a arte da cura, nos permite compreender que reconhecer e acolher a nossa própria ferida a transforma e nos possibilita lidar com a ferida do outro. Lembremos que o terapeuta só pode levar o seu cliente até onde ele já esteve e que o mesmo só conseguirá desbloquear a criatividade no outro se estiver exercitando-a em sua própria vida, buscando um constante aprimoramento.
Arteterapeutas são legítimos “curadores” de grandes “exposições”... curadores, sim, enquanto facilitadores de significativas exposições de auto-retratos da psique. Eles coordenam o “museu” da alma, no sentido original da palavra museion, a verdadeira “casa das musas”, onde ambos, cliente e terapeuta, se inebriam e se comovem com tamanha beleza e inspiração...


*Carla Maciel é psicóloga, psicoterapeuta junguiana e especialista em Arteterapia pela
Universidade Denis Diderot Paris VII – França. Atualmente é professora, supervisora e
coordenadora da Pós-Graduação em Arteterapia Junguiana do Instituto Junguiano da Bahia.

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